Sobre o projeto

Meu cotidiano está superpovoado de imagens fotográficas. Tem as dos muitos fotógrafos do mundo, cujos livros sempre pesados enchem as nossas prateleiras baixas - temos medo de entortar as outras; e tem aquelas que vi nascer, pelo privilégio de ter um fotógrafo em casa: meu marido, Rafael Trindade. Essas últimas são as que nos trouxeram até aqui.

É durante o tratamento ou edição das fotografias que eu normalmente tenho o primeiro acesso às fotos que ele faz. Eu opino, sugiro, critico sobre as questões estéticas, como enquadramento e tratamento de cor e de luz, mas a conversa logo se volta - e às vezes essa é a primeira abordagem - para suas sensações e sentimentos na hora do click; para o que fez ele se interessar pelas pessoas que aparecem na imagem e como foi essa fugaz intimidade que se criou; para como sua presença e seu click alteraram a situação que ele estava fotografando. Em palavras dele: "Eu me dedico a documentar a vida cotidiana, sempre com a atenção voltada para o ser humano e a interação com - ou exclusão da - sociedade. Pretendo registrar o mundo que nos rodeia com a mínima intervenção e acredito que os eventos simples da vida são os maiores temas."

Eu escuto as histórias e absorvo a riqueza delas, salvo algumas no meu arquivo sensível e tento entender, para além da imagem fotográfica, todo esse mundo seu que ele está me relatando e que constitui, em última instância, seu código estético e ético como fotógrafo.

Com uma cabeça colonizada pela ficção, com frequência eu me abstraio do contexto real em que foi capturada aquela imagem e me entrego à especulação literária em cima delas. Não raro, eu encontro na fotografia ou nas imagens, de uma forma geral, o principal gatilho criativo para a minha escrita (como comento no vídeo da seção "Entre as palavras e eu, imagens").

Mas, se o normal é que, a partir das imagens, eu parta para a escrita, em "Intrusas palavras" o movimento é outro. O projeto surge de um desejo antigo por invadir a imagem com palavras, por fazer com que os versos cheguem como intrusos da paisagem urbana e passem a formar parte dela.

Em certa forma, foi a enxurrada de textos publicitários a que somos expostos todo dia o que me levou a pensar neste projeto. O que aconteceria se, em vez de tanto texto vazio e mercantilista, nossas ruas e nossos muros estivessem cheios de poesia? Se um dia, de repente, a praticidade do anúncio do advogado trabalhista que promete vencer a causa improvável ou a publicidade número 988.763.270.901 da companhia telefônica, fosse substituída pela palavra metafórica? Se o convite fosse ao devaneio e não ao consumo?

Partindo desse desejo, Rafael e eu fizemos uma seleção de fotografias das ruas de Porto Alegre, feitas por ele em 2017, atendendo a dois critérios básicos: que oferecessem algum espaço em que pudéssemos falsear um "grafite" com um texto meu e que, claro, me resultasse instigante, desde a mais pura arbitrariedade, como ponto de partida para a criação.

Para esta primeira entrega, selecionamos seis imagens. Como em um exercício de oficina de escrita, eu me dediquei a observar cada imagem e deixar que ela "me falasse", no sentido de tentar entender a que lugar emocional essa imagem me levava, qual o devaneio que ela vem suscitando em mim desde que a vi pela primeira vez.

Assim, o conteúdo imagético da foto se distancia do conteúdo textual; este exercício não está comprometido, de jeito algum, com o carácter documental que as imagens tinham no momento anterior à minha intervenção.

Alguns dos textos sofreram modificações e diminuições em função do espaço disponível na foto para sua inserção. Estive ciente desta limitação na hora de escrever, mas decidi deixar o fluxo poético acontecer, sem estabelecer obstruções muito rígidas enquanto ao número de caracteres ou algo parecido, obedecendo apenas a uma intuição da extensão. Porém, teve alguns casos específicos em que a imagem me levou a um texto bastante mais extenso que o que era possível incorporar à fotografia e foi necessário editá-los e fazer versões reduzidas dos mesmos.

Para efeitos de mostrar o processo de "invasão", mostramos, além da fotografia intervinda, a fotografia e o texto originais, por separado.


© 2018 María Elena Morán & Rafael Trindade
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